Vítima de tráfico humano e trabalho escravo, brasileiro é obrigado a aplicar golpes financeiros em Mianmar

Vítima de tráfico humano e trabalho escravo, brasileiro é obrigado a aplicar golpes financeiros em Mianmar

O brasileiro Luckas Viana dos Santos está sendo mantido escravo em uma fábrica de golpes virtuais na fronteira de Mianmar com a Tailândia, na Ásia. A ONU estima que centenas de milhares de pessoas sejam mantidas em condições análogas à escravidão após terem sido traficadas na região da Tailândia, Mianmar e Camboja. O trabalho consiste em aplicar golpes virtuais internacionalmente em escala massiva, sob a mira de homens armados.
O pesadelo do brasileiro que caiu no esquema começou no início de outubro, que buscava um novo trabalho na Ásia após ter sido demitido da área de atendimento ao cliente em plataformas de apostas nas Filipinas.
Ele postou que procurava emprego em um grupo no Telegram focado em vagas de trabalho na região. Logo conseguiu duas entrevistas. Em uma delas, para uma vaga em atendimento ao cliente em aplicativos de relacionamento, recebeu uma proposta que considerou interessante: salário de US$ 1,5 mil, além de moradia no local para um contrato de seis meses.
A empresa tinha sede em Mae Sot, uma cidade no oeste da Tailândia que faz fronteira com Mianmar. Ficou acertado que um representante da empresa o buscaria em Bangkok para uma viagem de seis horas.
Durante a viagem ele percebeu que algo estava errado. E avisou pelo Telegram a um amigo que vive na Ásia e também trabalha com plataformas online. “No meio do nada, entramos numa selva, pegamos um barco e tenho que esperar mais um carro”, disse Santos em mensagens.
“Parece tráfico”, acrescentou, com uma risada. Àquela altura, ele já havia trocado de carro três vezes e compartilhado sua localização com o amigo por temer pela sua segurança.
O amigo, de nome Caio, contou que recebeu mais algumas mensagens de Santos em que ele dizia já estar em Mianmar após ter visto que as placas na estrada estavam em birmanês, a língua oficial do país. A mensagem seguinte dizia apenas uma frase: “chama a polícia”.
Santos voltou a se comunicar 30 minutos depois. Disse que estava tentando resolver a situação, mas que havia muitas pessoas armadas. Pediu ao amigo para que ele não chamasse a polícia porque podiam matá-lo.
Desde então, Caio recebe mensagens esporádicas do amigo, sempre de números novos de Telegram e com pedidos para que ele não responda. A última localização que Santos compartilhou mostrou que ele estava em Kyaukhat, uma cidade em Mianmar na fronteira com a Tailândia.
As fábricas de golpes são operadas por grupos de crime organizado transnacionais. Na prática, funciona assim: pela internet, pessoas são ludibriadas a acreditar que estão sendo contratadas para trabalhos legítimos e, então, acabam traficadas para estes complexos, onde são mantidas sob abusos e condições desumanas.
Nas raras mensagens que tem conseguido enviar ao amigo, Santos tem falado sobre as condições do complexo onde está. Disse que o dia de trabalho dura 16 horas, das 17h30 até as 8h da manhã seguinte. Há três pausas para comer. Ele não pode tomar banho todos os dias.
Santos contou que só é pago caso consiga aplicar o golpe com sucesso. Para cada pessoa que fizer uma transferência, recebe US$ 100. Mas para cada cliente perdido, são descontados US$ 100. A situação configura servidão por dívida, em que pessoas são obrigadas a trabalhar para pagar uma dívida que lhes foi imposta.  Santos disse ao amigo que acredita ser o único brasileiro no local. Relatou, ainda, que há muitos filipinos, paquistaneses, cidadãos do Sri Lanka e de Bangladesh e etíopes – que são submetidos a condições ainda mais degradantes que ele.

decioalmeida